Paulo De Carvalho

Data do evento: 16/01/07

A importância atual do treinamento marcial

O treinamento em artes marciais sempre envolve uma profunda mudança nos caracteres que dão forma ao espírito de seus praticantes. Desde o início o indivíduo é levado a experimentar diferentes aspectos de sua personalidade, quase sempre de forma árdua e conflitante – principalmente quando se trata de alguém que tenha recebido uma educação tipicamente ocidental, com todas as suas facilidades e costumes.

Um dos motivos que levam à prática de disciplinas marciais hoje é a busca por um desenvolvimento físico que leve à plena saúde e a uma maior qualidade de vida. No entanto, isso seria muito pouco para justificar a submissão a metodologias de treinamento que freqüentemente expõem o aluno a uma rotina de dor e provação.

O que então levaria uma pessoa ao treinamento marcial em pleno século XXI?

Defesa pessoal também pode ser um argumento usado como desculpa para levar as pessoas às academias. Porém, há metodologias relativamente simples que podem ajudar o indivíduo a alcançar algum nível de proficiência de forma a conseguir se defender das principais formas de agressão dispostas à nossa volta nos dias de hoje. Além disso, sempre há quem prefira o uso de armas, de forma legal ou não...

O que garante que as artes marciais conservem seu posto, inclusive nos tempos conturbados em que vivemos, é a diferença que elas causam nas pessoas enquanto seres humanos. Somente uma disciplina completa, que exponha os alunos a uma enorme variedade de valores práticos e questionamentos a respeito de suas linhas de conduta, será capaz de levar uma pessoa a se tornar alguém melhor. Este é, sem dúvida, um ponto importante e nobre que nos faz encarar o treinamento de uma forma muito mais devotada.

Todos buscamos um meio mais eficiente de manter a sensação de paz em nossos corações. Isso independe de crenças e de nível cultural. Está além das camadas sociais e das condições físicas – todos queremos ser mais felizes. No entanto, a eficácia dos métodos ditos convencionais quase sempre é contestável. Em geral experimenta-se um curto período de satisfação e, em seguida, um sólido período de conflito em relação ao mundo e a si mesmo.

As metodologias de treinamento marcial nos colocam diante de situações que estão quase sempre fora do convencional. Somos testados em nossa lealdade por nossos mestres, na tenacidade diante de aulas exaustivas e longos períodos de aperfeiçoamento, na manutenção da ordem através da manifestação da disciplina e até em nossos mais profundos valores como gratidão, coragem, determinação entre outros.

Hoje, da forma como o mundo se nos apresenta, nada poderia ser mais necessário.

No Japão antigo, os samurais se tornaram um símbolo da força e do quanto poderíamos alcançar em termos de evolução espiritual através do treinamento marcial e do cultivo de valores que acabaram compondo o Bushidô – o código de honra dos guerreiros. Naquele tempo, suas vidas eram constantemente expostas a situações adversas, tais como o risco de serem assassinados, tentativas de corrupção e testes de lealdade aos seus senhores. Isso fazia com que o espírito de cada um fosse provado ao extremo e é claro que alguns falhavam, mas os que conseguiam vencer a si próprios (em seus medos, por exemplo) e a estas situações alcançavam uma vida de honra e respeito.

De forma semelhante o dia-a-dia nas cidades atuais acaba nos colocando à prova através de diversos desafios. A convivência, a busca por uma vida digna, as responsabilidades do trabalho, tudo nos leva a questões interiores complexas e à necessidade de resolvermos as coisas de uma forma cada vez mais harmoniosa. Alguns de nós conseguem com alguma dificuldade; outros fracassam... Porém, a prática das artes de combate "Dô" nos oferecem um caminho que certamente aumenta as chances de vitória.

Essa é, essencialmente, a diferença entre as academias e os dojos. Tendo a iluminação como um dos componentes de seu significado, um dojo é um lugar que representa uma fonte, um lugar de coleta para as necessidades de nosso espírito. Ter a chance de praticar uma e fazer parte de um sistema dentro de um dojo é, por si só, uma grande oportunidade.

Ao dirigente de um dojo cabe a responsabilidade de zelar pelo objetivos nobres que sua arte abriga. Assim, ele se ocupa em programar uma rotina de treinamento em que os alunos tenham a chance de testar e fortalecer os valores aqui citados. Não se trata simplesmente de dirigir aulas, mas sim de pensar constantemente no bem que se pode produzir ao próximo através do trabalho que ali será realizado.

Com isso tudo, fica fácil compreender os motivos pelos quais devemos aproveitar cada instante na jornada de treinamento. Cada gota de suor é santificada em sua produção e as dores que ficam no corpo são testemunhas ativas de que mais um passo foi dado na estrada que deve conduzir a um amanhã em que possamos encarar a nós mesmos como pessoas diferenciadas e mais preparadas para uma vida de paz. É importante que toda participação aconteça com profunda devoção e que o esforço seja tanto maior quanto mais árduo for o treinamento.

Vemos que nas artes marciais pode estar a resposta para os problemas que muitos levam toda uma vida tentando resolver. Vemos também que mais uma vez a disciplina oriental demonstra de forma prática que as respostas estão dentro de nós mesmos, como um diamante bruto aguardando para ter seu brilho exposto por meio do tratamento adequado.

Que o treinamento seja então a nossa forma de lapidar o nobre diamante de nossas almas.



Ganbatê Kudasai!